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Crítica cultural: filme Aquarius

Aquarius estreou mundialmente no Festival de Cannes, em maio de 2016, porém só chegou aos cinemas brasileiros em setembro do mesmo ano. O filme foi escrito e dirigido por Kleber Mendonça Filho e estrelado por Sônia Braga, Humberto Carrão, Maeve Jinkings e Irandhir Santos. Os dois últimos repetem a parceria com o diretor, já que também participaram do seu longa anterior, “O som ao redor”.

Durante o ano de 2016, Aquarius recebeu muitos prêmios. Concorreu à Palma de ouro no Festival de Cannes, assim como ao Prêmio César, considerado o Oscar francês, como melhor filme estrangeiro. Venceu o prêmio de melhor filme no Festival de Sydney e o Prêmio do Júri no Festival de Barritz, além de ter sido eleito o melhor filme estrangeiro pela crítica francesa. Assim como o filme, Sônia Braga, a grande estrela do longa, também foi muito premiada e elogiada pelo trabalho. A atriz foi eleita a melhor atriz nos festivais San Diego Film Critics Society, Prêmio Ibero-Americano de Cinema Fênix, Prêmio do Júri no Festival de Barritz, entre outros prêmios, além de ter sido considerada uma das melhores atrizes de 2016 pela conceituada revista Rolling Stone.

O longa conta a história de Clara (Sônia Braga), uma jornalista aposentada de meia idade que compra uma luta com a imobiliária que está tentando comprar o seu apartamento. Todos os vizinhos de Clara já se mudaram do prédio, que leva o mesmo nome do filme, e ela é a única que ainda vive ali. O longa é ambientado em Pernambuco, estado do diretor.

No filme, o apartamento ocupado por Clara se torna uma espécie de casulo, algum lugar seguro e protetor. Durante o filme, entendemos alguns dos motivos para a resistência exaustiva da mulher. Aquele apartamento é uma herança de família, onde Clara viveu muitos anos com seu falecido marido e, com ele, criou seus três filhos. A partir desses momentos, o telespectador começa a criar uma memória afetiva em relação ao imóvel. Falando nisso, a memória é um ponto chave na trama. Seja através da música nos antigos discos de vinil, que cumpre papel importante na trama, contextualizando diversos momentos da vida de Clara, seja nas partes em que a jornalista mistura momentos da sua vida atual com lembranças do seu passado. Por vezes esses dois até interagem, como quando a protagonista e seu irmão relembram de uma antiga empregada que foi demitida por roubar algumas joias da casa deles. Mais tarde, durante a madrugada, Clara “vê” essa mulher na beirada da sua cama.

Clara representa claramente a classe média brasileira. A mulher tem uma relação de amizade com a sua empregada, que na maior parte do tempo é sua única companhia. Mesmo assim, elas não deixam de ser patroa e empregada e Clara não deixa de usufruir de seu privilégio. Apesar de alguns aspectos como esse, o filme tenta, a todo momento, estabelecer uma relação de empatia do espectador em relação à mulher. Ela é sobrevivente de um câncer de mama, que lhe custou uma das mamas e deixou uma grande cicatriz. Em certo momento, Clara conhece um homem em um bar e os dois vão para o carro desse senhor. Lá eles começam a se beijar, até o momento em que o homem percebe a cicatriz de Clara. O que se segue é uma cena desconfortável, em que o homem sutilmente a dispensa, obviamente por conta de seu “defeito”. Esse momento causa uma certa revolta para quem assiste, ao mesmo tempo que provoca simpatia e até mesmo uma certa pena de Clara.

O filme também busca representar a luta contra o capitalismo, personificado no personagem de Humberto Carrão, Diego, o neto do dono da imobiliária e também o arquiteto responsável pela obra no prédio. Ele não poupa esforços para fazer Clara sair de seu apartamento. Com uma fala mansa e calma, o garoto aparenta ser uma pessoa do bem, mas ao desenrolar da trama, percebemos que ele está preocupado apenas com o seu dinheiro e usa de manobras ardilosas para conseguir o que quer. A surpresa reservada ao final do longa é a maior prova disso. Diego é pintado como o “vilão” do filme, mesmo que esse não seja um longa simplesmente sobre o bem contra o mal. Além de lutar contra o capitalismo, podemos encarar Clara com uma mulher feminista, que a todo momento tem que se reafirmar para os homens que a cercam e tentam a prejudicar.

Em uma entrevista à Folha de São Paulo, o diretor do filme comparou Clara com a ex-presidente Dilma Rousseff, reforçando essa leitura de uma mulher forte lutando contra os homens corruptos que tentam a derrubar. Esse discurso de Kleber Mendonça Filho já adianta o tom do filme, que dentro e fora das telas tem a intenção de assumir uma postura política. Durante o tapete vermelho do Festival de Cannes em 2016, a equipe do filme, incluindo os atores e o diretor, fizeram um protesto contra o impeachment de Dilma, que na época ainda estava em julgamento. A equipe segurou cartazes estampados com frases condenando o processo e afirmando que o Brasil estava sofrendo um “golpe”.

Aquarius é o segundo longa-metragem de ficção do diretor Kleber Mendonça Filho. O diretor, roteirista, produtor e crítico de cinema começou sua carreira cinematográfica através dos curtas-metragens. Em 2004, estreou Vinil verde, seguido por Eletrodoméstica, em 2005, e Recife frio em 2009. Seu primeiro longa foi o documentário Crítico de 2008. Apenas em 2012, com o filme O som ao Redor, Kleber se aventurou nos longas de ficção. Sua estreia foi arrebatadora, conquistando grande reconhecimento nacional e internacional. O longa venceu como melhor filme em prêmios importantes como o Prêmio Itamaraty, Festival do Rio, Festival de Gramado. Festival de Cinema da Polônia, Festival de Cinema da Sérvia, Associação de Críticos de Toronto, entre outros.

Com os holofotes virados para ele, Kleber estreou Aquarius, até hoje sua obra mais aclamada. De certa forma, os dois longas ficcionais do diretor são parecidos, na questão de posições de câmera, enquadramento e edição. Aquarius se diferencia por ter o ritmo um pouco mais lento. O diretor faz parte de uma leva de cineastas que estão surgindo no cinema pernambucano. Junto com diretores premiados, como Gabriel Mascaro, Daniel Aragão, Leonardo Sette, entre outros. Esse novo momento do cinema pernambucano tem como característica marcante filmes realistas, pessoais e com questionamentos importantes, que fazem o telespectador refletir sobre a nossa sociedade.

Apesar das duas horas e meia de filme que por vezes podem parecer um pouco arrastadas, Aquarius possui seus momentos de tensão e de reviravoltas que surpreendem o telespectador e ajudam o longa a fluir de maneira natural. Kleber Mendonça Filho conseguiu retratar de forma fiel as relações na sociedade pernambucana e, de certa forma, na brasileira.


Aquarius (2016)

Gênero: Drama

País: Brasil, França

Classificação: 18 anos

Duração: 141 min.

Direção: Kleber Mendonça Filho

Roteiro: Kleber Mendonça Filho

Elenco: Sônia Braga, Humberto Carrão, Irandhir Santos


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