Polícia egípcia executa prisões com base na orientação sexual
A comunidade LGBT no Egito está sofrendo com uma forte repressão do governo e da mídia egípcia. O estopim dessa perseguição aconteceu no dia 22 de setembro. A banda libanesa Mashrou’ Leila, cujo vocalista é um dos únicos músicos abertamente gay nessa parte do mundo, estava realizando um show na cidade de Cairo, capital do Egito, quando alguns de seus fãs levantaram uma bandeira de arco-íris, muito conhecida por representar a luta LGBT. Sete dessas pessoas foram identificadas e presas. Através de um post no Facebook, a banda criticou duramente as ações do governo egípcio. “Esta repressão não é de modo algum separável da atmosfera sufocante de medo e abuso experimentada por todos os egípcios diariamente, independentemente das suas orientações sexuais”, dizia a declaração.
A homossexualidade não é prevista como crime no país, porém as autoridades prendem gays, lésbicas, bissexuais e transexuais com o pretexto de “libertinagem”, “depravação” e “perversão”. A anistia internacional divulgou que o governo está até mesmo submetendo esses presos a exames anais. “Os exames anais forçados são abomináveis e equivalem a torturas. As autoridades egípcias têm um histórico assustador de usar testes físicos invasivos que equivalem a torturas contra detentos sob sua custódia”, disse Najia Bounaim, Diretora de Campanhas do Norte da África na Anistia Internacional.
A ONG Solidarity with Egypt LGBT (Solidariedade com LGBTs do Egito), afirma que eles trabalham constantemente para que os direitos dos homossexuais sejam divulgados e conhecidos por todos. “É a repressão mais intensa da comunidade LGBT desde 2001. Esperamos que a situação ainda piore depois de passar a nova lei anti-homossexualidade”. Essa lei foi proposta de um parlamentar do país africano, que quer transformar homossexualidade em crime, considerando gays e lésbicas “pervertidos”. O político teve apoio de mais 14 membros do parlamento.
A mídia no Egito é comandada por canais conservadores, que apoiam e incentivam o governo. O apresentador de TV, Ahmed Moussa, disse em rede nacional que “homossexualidade é um crime tão terrível quanto o terrorismo”.
Desde o episódio do show, 34 pessoas foram presas, através do forte monitoramento de redes sociais e aplicativos de relacionamento, entre outros, feito pelo governo. O estudante de direito e Omar, de 21 anos, é gay e conta que tem receio de fazer posts em suas contas por causa dessa perseguição. “Eu sempre tenho medo de ser preso. Quando vejo um policial caminhando em minha direção, eu imagino que ele vai me pedir para lhe dar meu celular e encontrar esses aplicativos de namoro ou minhas contas de mídia social”, desabafa o jovem.
Outro homossexual que vive no país, Mohamed H, conta que sua vida mudou muito por reflexo dos eventos recentes. “Eu costumava ter piercings e me vestir o do jeito que eu queria, mas agora temos que mantê-lo baixo - eu e meus amigos - porque até mesmo a sociedade está se concentrando nos gays”, diz o engenheiro mecânico. Perguntados se gostariam de se mudar do país, os dois afirmaram que sim. Os dois preferiram não revelar os nomes completos.
Scott Long, ativista de direitos humanos que estudo as questões egípcias desde 2001, opina que a população do país é incentivada pelo governo a serem preconceituosos e intolerantes, mas a maioria da população é tolerante. “O preconceito é uma ferramenta política e, claro, quando os políticos e a mídia promovem, se espalha e se enraíza na sociedade”, reforça Scott.
Repressão de 2001
Essa perseguição aos homossexuais não é de hoje. Uma das primeiras demonstrações públicas do preconceito vinda do governo aconteceu em 2001. Em maio daquele ano, a polícia invadiu uma boate chamada Queen Boat e prendeu 52 homens que estavam se divertindo naquela noite. Eles também foram submetidos a exames anais para comprovar se haviam praticado sexo gay.
O estabelecimento era diferenciado e muito frequentado por homossexuais, pois era um dos únicos que permitia que um homem entrasse sem uma mulher o acompanhando. Logo após esses acontecimentos, a boate mudou a administração e a sua política de entrada de clientes.
Os presos foram acusados de estarem realizando atos imorais e práticas sexuais pervertidas. Mulheres e homens de outros lugares sem ser o Egito foram liberados na hora. Os homens detidos foram tratados hostilmente, sem direito a visitas nas primeiras semanas e sendo mantidos separados dos outros presos.
Esse caso ganhou proporção mundial, causando protestos de grupos homossexuais em vários lugares. “Se as pessoas estão detidas unicamente por sua orientação sexual, consideramos elas presas de consciência e exigimos sua libertação imediata e incondicional”, protestou a Anistia Internacional na época.
A mídia se posicionou contra os detentos, publicando manchetes sensacionalistas que os acusavam de coisas como rituais satânicos, um casamento gay que teria sido realizado dentro da boate, os chamavam de pervertidos sexuais, entre outros. Além disso, os veículos midiáticos também divulgaram os nomes completos e os endereços dos presos.
Omar conta que esse episódio desencadeou uma reação popular de ódio em relação aos homossexuais e que ele e seus amigos sofreram sérias consequências. “Um amigo cometeu suicídio e outro tentou. Três de nós estamos vendo um psicólogo. Nosso trabalho foi afetado, tornou-se menos produtivo e eu perdi meu emprego”, ele revelou.
Scott Long explica que, depois disso, as coisas não melhoraram para a comunidade LGBT. “A repressão no Egito que seguiu o caso da Queen Boat viu, no mínimo, centenas de pessoas homossexuais detidas de 2001 a 2004. A principal diferença é que agora a internet permite que notícias (e medo e pânico) se espalhem muito mais rapidamente”, comenta o ativista.
Abdul Fatah Khalil Al-Sisi
O Egito é um país extremamente religioso, portanto, o preconceito com homossexuais vem de muito tempo. Porém, a partir de 2013, isso se tornou uma verdadeira perseguição. Foi nesse ano aconteceu um golpe de Estado no país. O então presidente, Mohammed Morsi, havia sido o primeiro presidente eleito democraticamente, mas seu governo começou a se tornar impopular entre as pessoas e sofreu ataques da oposição. As críticas eram que o presidente estava abusando de seu cargo, pois ele elaborou uma nova Constituição e expediu um decreto em que se dava plenos poderes. Apesar de Morsi ter concordado em limitar seus poderes, frente a muitos protestos, a pressão contra o seu governo continuou.
No dia 30 de junho de 2013, no aniversário de um ano da posse de Morsi, milhões de pessoas se mobilizaram e tomaram as ruas de Cairo para protestar contra o presidente. A partir disso, os militares deram o prazo de um mês para que Morsi obedecesse suas exigências, que consistiam em restaurar a economia e a segurança do país, assim como novas eleições.
Morsi se recusou a cumprir o ultimato, portanto, no dia 3 de julho, o então comandante-geral das Forças Armadas do Egito, o general Abdul Fattah al-Sisi, comunicou através da televisão que o presidente estava sendo deposto e que os militares estavam assumindo o poder. Ele também afirmou que a Constituição de 2012 estava suspensa. Para assumir no lugar de Morsi, os militares escolheram o chefe da Suprema Corte de Justiça do Egito, Adly Mansour como presidente interino, até que fossem convocadas novas eleições.
Mansour era o presidente apenas na teoria, já que na prática quem comandava tudo era Sisi. Assim, o general foi ficando popular e, quando ocorreram eleições em 2014, ele ganhou com 96,9% dos votos.
Para Scott, a repressão contra os homossexuais se deu como uma forma de restaurar a popularidade da polícia, que estava danificada pelas acusações de tortura e abuso. “No outono de 2013, o Ministério do Interior divulgou notícias sobre algumas incursões em supostos lugares de encontro trans e gay. Isso lhes deu uma publicidade favorável, e eles começaram a intensificar as prisões, porque ajudou a tornar a polícia parecida com os guardiões da moral do país”, ele explica.
O ativista diz ainda que a imprensa estava alertando sobre os perigos da influência ocidental, inclusive a homossexualidade. Como Sisi depôs um governo muito religioso, ele precisava mostrar que também era capaz de defender a moral e os bons costumes. “Gradualmente, a homofobia tornou-se uma importante ferramenta política para o regime de Sisi: é uma distração da impopularidade e incapacidade do governo para resolver a crise econômica”, critica Scott.